4 horas da manhã. Um barulho repentino na cozinha e Sérgio se acorda. Não ousa mover um músculo; as janelas batem, o vento chia e sua imaginação aflora (ladrões? monstros? Gremlins?). A vontade de ir ao banheiro que nunca aparece de madrugada agora é companheira. O som não identificado não para; ir ao banheiro não é uma possibilidade. A adaga que tinha: essa era uma possibilidade, e o certo a se fazer. Melhor não, pensou. Se virou pro lado da parede, fechou os olhos e lentamente voltou a dormir.
quinta-feira, 30 de junho de 2011
Altas Horas
quarta-feira, 29 de junho de 2011
Saudade do meu par de meias
terça-feira, 28 de junho de 2011
Sabotado
“Número 7!” Um velhinho bingou ao longe enquanto a namorada e o aluguel corriam pela mente de Ramires. A voz falhou e a respiração também.
segunda-feira, 27 de junho de 2011
Anti-flores
domingo, 26 de junho de 2011
Time is money...
A Todo Mundo, a Todos os Meus Amigos
Esquecida
sexta-feira, 24 de junho de 2011
Evidência
Senhores policiais:
Escrevo esta carta para dizer que me matei. Apesar de tudo provar em contrário, apesar do meu iate, minha cobertura em Punta, minha Ferrari, minha ilha no Caribe e meu conglomerado de empresas bem sucedidas, resolvi tirar minha vida. Deixo que tudo que possuo para Lurdinha, minha doce e amável esposa, meu amor, meu docinho de coco, meu tudo. Aos meus 6 filhos, não deixo nada, aquelas pestes.
Talvez cause espanto e levante suspeitas o jeito que resolvi morrer: quando Lurdinha estiver na cozinha descascando batatas, me atirarei de costas 14 vezes contra a faca, assim tirando a minha vida a facadas; esta sempre foi minha fantasia de morte. Lurdinha não tem nada a ver com isso, ela nunca faria mal a uma mosca. Mulher doce e adorável, a ela pouca importa os muitos milhões que herdará.
Se esta carta for encontrada apenas quando minha morte estiver sendo investigada e Lurdinha (que mulher, que pernas, que rosto!) estiver sendo suspeita de minha morte, asseguro que deixei esta carta escondida, minha esposinha em nada teve culpa, e nunca forjaria nenhuma carta minha. Usar lápis ou caneta é coisa de pobre, e é este o motivo pelo qual escrevo assim, digitando, não tem nada a ver com fraudes mal elaboradas.
Desejo também que ela seja feliz com outro homem, e o mais rápido possível. Se der, quero que ela fuja com o seu personal trainer para algum lugar paradisíaco onde sejam felizes e desfrutem do dinheiro que fiz como acharem melhor. A meu ver, isso não deve fazer com que suspeitas recaiam sobre ela. Este é meu ultimo desejo antes de ME MATAR.
Lurdinha é o meu amor, reitero que ela sempre me tratou bem, me amou, cuidou de mim e apenas se interessou por mim DEPOIS de saber meu sobrenome e minhas contas bancárias na Suíça e Ilhas Caiman. Reitero que eu me matei e mais ninguém tem nada a ver com isso.
quinta-feira, 23 de junho de 2011
Agosto de 1952
Não existia pessoa que eu admirasse mais no mundo que tu quando nos casamos. Nas festas da empresa, nas reuniões de família, tu eras sempre o mais bonito, o mais distinto, posava uma elegância que nenhum homem tinha igual, e tu sabias disso. Durante muito tempo, acreditei secretamente que o nosso casamento era melhor que qualquer outro: mulher nenhuma teria sorte como a minha, e eu só poderia ser muito digna de ti para estar ao teu lado.
Cada vez mais tu te encarregaste de mostrar que eu não era. Não era elegante, não era inteligente, não fritava um ovo que fosse digno do teu estômago, não merecia mais que cinco minutos de amor antes de dormir. Minha mãe e minha consciência sempre me inclinavam a tentar mais, a ser o mínimo que tu merecesse. Mas, meu amor, estou muito cansada. O meu melhor não é o suficiente nem para ti, nem para mim, nem ninguém mais. Virei um amontado defeituoso das vontades dos outros; a única vontade exclusivamente minha que restou é a de sumir.
Tenho certeza que o teu cargo não te ocupa tanto tempo assim e que enquanto eu estou aqui, tu estás com uma vadia com ainda menos elegância e inteligência, mas mais merecedora do teu tempo. Não posso falar sobre isso com mamãe sem ouvir que sou uma mulher, não uma menina chorona e saber que não há mais espaço na casa dela para mim. Também não suportaria contar a nenhuma de nossas conhecidas sem o rosto delas me acusar de ser uma ridícula carente, ou lamentar muito e somente isso, pois têm um jantar a organizar e nada podem fazer por mim. Só posso desabafar para um pedaço de papel e mesmo ele vai se limitar a refletir minhas palavras do mesmo lugar onde está agora. Estou cercada de inúteis sem conseguir acreditar que isso não é o que eu mereço.
Já pensei em simplesmente me matar e não deixar nada para trás além de dúvidas que te assombrassem a vida toda, mas talvez eu esteja te fazendo um favor, não me tornando um fantasma da tua consciência. Fico ainda mais triste em saber que nem tendo chegado a esse ponto consigo deixar de pensar em ti, em como tu vais te sentir, em como eu posso estar totalmente errada e te fazendo sofrer. Não me resta um pingo de amor que não seja teu, nem mesmo de amor por mim mesma.
Morrer parece ser a única saída dessa prisão em que eu sempre senti estar e agora enfim me sufocou. Não é mais que a concretização de uma morte que já aconteceu. Resolvi deixar de carregar um cadáver dentro de mim para juntar-me a ele. Assim, pelo menos, vou me sentir inteira e não mais tão sozinha.
quarta-feira, 22 de junho de 2011
Memórias (quase) póstumas
Ninguém desconfiou; eu era a viúva que ficou sozinha. Mas fiquei com o dinheiro. Fingindo luto, saí do país. Fiz uma lipo, pintei o cabelo e fui pro mundo.
terça-feira, 21 de junho de 2011
Minha última carta suicida
Não é a primeira vez que escrevo uma carta dessas. As marcas de cortes nos meus braços, os pinos nas minhas pernas, a vergonha dos meus familiares podem confirmar o que digo. Tentei várias vezes tirar a minha vida, mas nunca consegui. Se essa carta não foi queimada como as outras, é porque, desta vez, não voltei para fazê-lo.
Entrarei para um grupo seleto de seres humanos: os suicidas. Deus misericordioso perdoa tudo e a todos, caso exista arrependimento, mas não aos suicidas. Aparentemente, Ele nos deu livre-arbítrio, mas é tão vaidoso que não gosta que alguém, além Dele, acabe com a Sua maior criação. Se o que dizem é verdade, nunca entrarei no Céu.
Sairei de um grupo seleto de seres humanos: os vivos. Se Ele não existe, a morte será o fim. Desaparecerei por entre vermes e bactérias que farão o trabalho de acabar com o meu corpo. O carbono de minhas moléculas persistirá em um mundo que fiz questão de abandonar. Se o que dizem é verdade, não existe Céu ou Inferno.
Talvez você queira saber o porquê. Por que vou acabar com a minha vida? Posso ser depressivo, posso ter sofrido uma decepção amorosa, posso só querer chamar a atenção. Mas a razão faz alguma diferença? Eu vou estar morto e você a caminho da morte, querendo ou não.
A cada instante, você e eu, caro leitor, estamos mais próximos do fim, apenas não sabemos o quanto. Só pode ser horrível “viver” assim. É agonizante que a única certeza de uma existência seja completamente inesperada. Mas não precisa ser deste modo. Eu não quero isso para mim.
Já tentei outras vezes e fracassei. Faltou coragem, mas agora entendo. Sinto-me mais poderoso, porque eu tenho um poder que você não possui. Eu escolhi morrer hoje, enquanto você apenas espera. Posso falecer antes do que quero, mas já terei feito a minha opção. Não serei medroso e impotente do mesmo modo que você é agora.
Para controlar a minha vida, adiantarei a minha morte.
segunda-feira, 20 de junho de 2011
As tardes no Motel Garcês
Foi numa tarde fria e chuvosa de junho. Nosso casamento sempre foi movido por interesses, nós dois sabíamos disso: era interessante pra mim, já quarentão, ter uma bela morena vinte anos mais jovem como esposa, o sonho de consumo de qualquer homem, e era interessante pra ti ter como marido um empresário muito rico e muito generoso. Era a união perfeita. Mas como todo castelo de areia, um dia desabou. As tuas saídas para compras se tornaram cada vez mais freqüentes, e as minhas suspeitas se tornaram cada vez maiores. Então, junto com meu secretário, o Freitas, a minha BMW seguiu a tua Mercedes.
Confesso que me surpreendi: primeiro, paraste o carro por um instante, e o moreno alto e cabeludo entrou pela porta do passageiro. Depois, vocês entraram no Motel Garcês. “Garcês? Mas isso não é nome de Motel!”. É verdade, disse ao Freitas, mas continua sendo um Motel, e eu continuo sendo corno. Por algum motivo, nós aproveitamos a ocasião, e entramos no Garcês também. Como o banner na entrada dizia que três horas custavam 80 reais, com o canal a cabo que passa as reprises do Brasileirão incluso, nós ficamos duas, e quando chegaste em casa, eu já estava lá, te esperando para jantar.
Depois da descoberta, eu contratei um detetive particular: ele seguiu vocês durante as tardes no Garcês, e depois, quando vocês passaram a se encontrar naquele flat, eu aluguei um também no mesmo prédio, e o expediente do detetive continuava lá. E o Freitas? Ele recebeu uma proposta irrecusável em São Paulo, tive que substituí-lo pelo Sherlock dos Pampas, que é michê nas horas vagas. Mas Freitas e eu continuamos nos vendo: sempre que ele viaja para cá nós damos um jeito de marcar um encontro. No Garcês. Ele também gosta de ver as reprises do Brasileirão.
Depois do Freitas, do moreno cabeludo e do detetive, nós dois tivemos outros affaires, mas isso não importa mais. Provavelmente estupefata, deves estar te perguntando por que diabos eu me matei. Simples, honey: eu fali. Anos de gastos exorbitantes, com uma administração corrupta e tacanha, quebram qualquer empresa, por maior e mais lucrativa que ela seja. O grupo vai entrar em concordata dentro de dois dias, e todos os nossos carros, mansões e jatinhos vão a leilão. E eu já vivi bastante, não é? Nunca fiquei doente, fui rico a vida toda, não saberia viver na falência. Mas não precisa te preocupar: passado o luto, tu vais te casar com o teu amante americano dono de bacias de petróleo, e vocês irão viver felizes e milionários em Nova York. Vais ficar bem, e o preto do luto te dá uma elegância que nós dois sabemos que tu nunca tiveste.
domingo, 19 de junho de 2011
Só tem gente mórbida aqui
Em primeiro lugar, nós gostaríamos de dar um RT extra-Twitter e agradecer formalmente a todos os que votaram na nossa enquete, comentaram nossos posts (com comentários muito queridos!) e orgulharam a professora Vivi de Comunicação na Web mostrando que dominam mesmo as noções de Web 2.0. Mesmo quem não votou nem comentou, obrigado por ter alimentado nosso contador com 145 visitas desde a madrugada de sábado. Vocês todos têm um bloguinho que ama vocês. ♥
O tema da próxima semana é carta suicida, que esteve pau a pau com traumas de infância, mas ganhou com 43% dos votos. Em breve, nova enquete no ar. Acompanhem nossa programação, e boa semana de leituras. ;)
sábado, 18 de junho de 2011
Soraya, uma mulher de atitude
Numa quinta-feira de muito calor e sol forte, ao meio dia, ela andava em uma movimentada avenida, quando passou em frente a uma obra. Como de costume, os pedreiros mexeram com Soraya:
- AEEE GOSTOSA!
- Ô delícia hein dona!
- NAAASSA SINHORA! Ê lá em casa!
Ela, muito alegre e exibida, virou-se para eles e acenou. Foi quando avistou aquele homem sem camisa, de abdômen definido e molhado de suor, que, à luz do sol, parecia ter sido cuidadosamente lustrado.
A atração era mútua. Sem delongas, Soraya, mulher de atitude, tirou da bolsa seu cartão e entregou ao pedreiro sarado, mais conhecido como Dinho. Marcaram de tomar um chopp no boteco do Adaílson, à noite, após Dinho terminar seu serviço.
Empilhado o último tijolo, ele correu pra não perder o ônibus e ir pra casa. Tomou aquele banho caprichado, um legítimo banho-de-sábado. Perfumou-se com aquela colônia especial do Avon e passou um gelzinho no cabelo. Olhou-se no espelho e falou para si mesmo: é hoje que eu como aquela gostosa!
Ela, sempre muito vaidosa, da obra foi direto ao salão da Suely, que ficava em frente a sua casa. Retocou as raízes, fez mais umas luzes. Estava loira platinada e lisa. Passou em seu apartamento, retirou da gaveta aquela lingerie de ocasiões especiais. Maquiou-se com um forte batom vermelho. “É hoje que eu tiro o atraso!”, exclamou.
Chegaram quase ao mesmo tempo no boteco. Chopp atrás de chopp, conversa vai conversa vem. Soraya, mais uma vez, sem papas na língua, foi direto ao ponto:
- Quer conhecer meu apartamento?
- Lógico!! Disse Dinho.
E lá foram eles. Entraram na casa dela já tirando as roupas, ardendo de desejo. Dinho estava empolgado, Soraya gemia. Jogou-a na cama. Arrancou sua calcinha.
- AAAAAAAAAH! MAS MAS MAS, O QUE É ISSO????
- Soraya sorriu e disse: vem neném!
Dinho saiu correndo apartamento a fora, com as calças nos joelhos.
Na obra, no dia seguinte, seus colegas perguntaram:
- Eaí cara, comeu a loira gostosa?
Ronaldo não queria falar sobre o assunto.
sexta-feira, 17 de junho de 2011
Valdir, o pedreiro
Uma loira passava à frente da construção. Valdir, o pedreiro, estava apaixonado. Ele parou o seu trabalho para observar a mulher que passava pela calçada. Aos seus olhos, ela era perfeita.
Ela tinha a altura ideal para que, quando os dois beijassem-se, ela ficaria na ponta dos pés, enquanto ele estaria levemente curvado a caminho de seus lábios. Ela tinha o corpo ideal para que a carregasse por entre a porta de um h/motel sem dificuldades. Ela tinha o tamanho ideal para que, em um simples abraço, conseguisse protegê-la, mesmo que por um instante, de todos os males do mundo. Valdir, o pedreiro, estava apaixonado.
Valdir tinha poucos segundos para reagir. Ela, nervosa com os comentários sutis dos outros pedreiros, caminhava com passos curtos e ligeiros. Não muito ligeiros, pois, por pior que fossem os comentários, ela gostava dos elogios. Valdir matutava. Batia na cabeça. Tinha a esperança que alguma ideia surgisse, mas nada, nenhuma ideia, nenhuma fala que a fizesse entrar na sua vida. Então Valdir, o pedreiro, sem ideias, exclamou:
— Fiu-fiu!
Não, Valdir não sabia assoviar. Ele literalmente berrou “fiu-fiu”.
Ela não mexeu um músculo. Não enrubesceu em nada as maçãs do rosto. O comentário mais genuíno da construção perdeu-se em um mar de “gostosa!”, “ô, lá em casa”, grunhidos masculinos em geral. Ela atravessou a rua, e Valdir, o pedreiro, nunca mais a veria.
Mas espere, espere leitor.
Uma morena passava à frente da construção. Valdir, o pedreiro, estava apaixonado.
quinta-feira, 16 de junho de 2011
Porcaria de Vestido
- Leonela?
Lentamente ela se vira, quase não acreditando no que tinha ouvido, boca entreaberta e lábio tremendo levemente, numa reação instantânea. E lá estava Valdir, do alto de seu 1,60, de capacete amarelo, com um cigarro na mão e a enxada na outra, a mesma tatuagem idiota no antebraço, a mesma expressão de abobado de sempre. Assim como eram as mesmas de sempre as dolorosas lembranças que ele trazia. Leonela desatou a chorar e saiu em desabalada carreira.
Maldito seja o dia em que uma mulher não tenha uma obra para se amparar.
quarta-feira, 15 de junho de 2011
A loira passava em frente à construção
terça-feira, 14 de junho de 2011
Frustração
Até então, a obra do outro lado da rua não tinha incomodado, mas agora ela era uma extensão do festival de sons com que Dona Iselina lidava desde os dezesseis anos. Seu netinho convivia com isso há seis meses e estava expressamente indignado, mas ela não reclamava. A obra era o que mantinha Seu Aldair — senhor Aldair, e Aldair de Dona Iselina — ocupado, e ganhando mais do que nos últimos serviços. Era uma das poucas vezes que trabalhavam tão perto um do outro: dormiam e acordavam juntos, e a bolha de barulho que envolvia cada um diariamente, de cada lado da rua, se encarregava de juntos deixá-los.
Olhando com um sorriso pela porta transparente da lancheria, ela lavou as mãos. Seu Aldair estava a alguns passos de receber seu almoço quentinho. Com um largo pote nas mãos, Dona Iselina saiu em direção à obra, onde vários pedreiros já estavam almoçando. Passava, à sua frente, um carro vermelho; do outro lado da rua, uma moça loira, carregando pastas e livros, linda sobre seus saltos.
Enquanto esperava o sinal fechar, Dona Iselina observava os trabalhadores da obra. Com estranhamento, concentrou-se em uma figura baixinha, quase sumindo dentro das roupas, gritando qualquer coisa em direção à moça. Cutucando outros dois companheiros, gritou de novo. Assoviou. A loira apressou-se até a parada de ônibus, incomodada. Seu Aldair achava graça.
— Ô, homem!
Ele se virou assustado, e encontrou Dona Iselina muito séria, com uma mão na cintura e a outra equilibrando a singela marmita. Correndo a mão pela cabeça, espanou a roupa e foi caminhando devagar, distraído, em direção à mulher. Um caminhão passou, e separou os olhares dos dois; Dona Iselina abriu o pote e catou um pastel, enquanto o sinal fechava.
Foi quando o caminhão foi embora que Seu Aldair viu a esposa se virar e voltar para a lancheria. Ela também tinha fome.
segunda-feira, 13 de junho de 2011
Um beijo roubado
domingo, 12 de junho de 2011
Apresentação para os que não sabem latim
O tema dessa semana é cantada de pedreiro a uma loira passando em frente à construção. Desse tamanho, e com essa aleatoriedade toda.