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quinta-feira, 30 de junho de 2011

Altas Horas

4 horas da manhã. Um barulho repentino na cozinha e Sérgio se acorda. Não ousa mover um músculo; as janelas batem, o vento chia e sua imaginação aflora (ladrões? monstros? Gremlins?). A vontade de ir ao banheiro que nunca aparece de madrugada agora é companheira. O som não identificado não para; ir ao banheiro não é uma possibilidade. A adaga que tinha: essa era uma possibilidade, e o certo a se fazer. Melhor não, pensou. Se virou pro lado da parede, fechou os olhos e lentamente voltou a dormir.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Saudade do meu par de meias

"blop". A tampinha da panela de pressão caiu no chão, fez seu último grunhido e desapareceu pela imensidão do chão da cozinha. Com apenas aquele singelo baque, discreto e sincero, o pequeno objeto de despediu do mundo cruel e partiu para o universo paralelo das coisas perdidas. Oh! Pobre Ana Maria, que ficou sem ter como cozinhar seu feijão. A janta hoje vai ser só bife, arroz e alface, com gostinho de saudade da tampinha, que foi se juntar às meias e às tarrachinhas. Oh! Mistério que se perdeu.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Sabotado

O número 7 era o que separava o pobre Ramires da bolada que o bingo da rua D. estava sorteando. Era bolada na medida em que pagaria seu sofrido aluguel e ainda sobrava para o presente caro que a Gigi merecia. A perspectiva do precioso dinheiro no bolso ao fim da madrugada emocionava seu coração, acelerado num misto de alegria prematura e transtorno de pânico.


“Número 7!” Um velhinho bingou ao longe enquanto a namorada e o aluguel corriam pela mente de Ramires. A voz falhou e a respiração também.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Anti-flores

Ele não gostava de flores, mas era romântico. Sempre foi. Mesmo quando flagrou a esposa com dois gigolôs na cama, continuou sendo romântico. Divorciaram-se, ele contratou o melhor advogado de família da cidade, Ju saiu pobre daquela triste união. Mas continuou sendo romântico, e não gostando de flores. Até o dia em que viu os dois juntos. Ela era a sua nova paixão. Mas também o traiu. Ele gritou. Não viu o carro passar. Caiu estatelado no chão. Ela beijou a flor, e a jogou em cima do seu caixão.

domingo, 26 de junho de 2011

Time is money...

... Até mesmo pros nossos leitores, que são as pessoas que embelezam esse horrível mundo fordista capitalista.

Depois de mais uma enquete super competitiva e movida a adrenalina, conto em 500 caracteres é o novo tema da semana aqui no blog. A escolha por um tema breve só nos leva a deduzir que vocês querem posts rápidos de ler e, logo, sujeitos a mais comentários. Aguardamos ansiosamente pelas opiniões de vocês! ♥

Este domingo também é dia de estreia das colaborações de leitores aqui no Completando Créditos. Assim que vencermos esse semestre de tormentas e estivermos em águas mais calmas, o pseudônimo de Mordomo será adequadamente incorporado à página dos perfis - enquanto isso, estamos aceitando propostas de leitores que queiram colaborar conosco, através do e-mail do blog.

Obrigada pela audiência, e boa semana de leituras! :)

A Todo Mundo, a Todos os Meus Amigos

Taia: obrigado por me mostrar que ninguém é totalmente feliz. Apesar de tudo, te perdoo. Escrevo essas memórias em teu nome, e as primeiras manchas de tinta que encontrarás serão o fruto das últimas lágrimas que por ti derramei.
Mãe e dinda: perdão por causar mais esse desgosto. Mas prometo que será o último.
Daniel, Alex, Pietro e Márcio: enquanto estiverem lendo isso, meus amigos, saibam que eu adoraria poder ficar junto de todos vocês. Sorriam quando se lembrarem de mim; o meu corpo já se foi, e isso é tudo.

Alguns hão de pensar que faço isso por amor; outros, por covardia. Mas vos digo: covarde é aquele que se conforma com sua dor por medo de confrontá-la. Hoje eu venci minha dor; e vocês?

O fato de eu amar a Natália mais do que a mim mesmo não me levou ao suicídio. Juraria por Deus, se n'Ele ainda acreditasse. Não; eu amo e morrerei amando essa mulher, e isso só me deu forças para tentar seguir em frente; ela foi a esperança das minhas noites na escuridão, a chama acesa sobre a vela dos meus dias; e antes que suponham tê-la apagado uma brisa forte soprada da janela, acreditem: ela simplesmente derreteu até a base.

Uma vez o Daniel me disse que a pessoa só se suicida quando a dor é maior que a esperança de curá-la. Eu discordo. A dor que sinto hoje - e que venho sentindo há quase três anos - pode ser mascarada com drogas, ou com confissões, mas não é para isso que serve a dor: é para nos avisar; como quando nos dói o dedo na chama quente para que não nos queimemos, e o pulmão sob a água fria para que não nos afoguemos... da mesma forma nos dói o coração, para que não mais o castiguemos. E o seu castigo, para mim, é deixá-lo bater pelo motivo que bate.

Eis, é por isso que me vou. Os que bem me conhecem sabem que, desde que me recordo, procurei incansavelmente o motivo da minha existência, a razão de continuar vivo. Concluem vocês, pois, que fracassei - mas pelo contrário, eu consegui. Durante esses últimos meses, descobri completamente o mistério que envolve a humanidade, a resposta para todos os porquês! Não me restam dúvidas de que estou certo, e vejo agora com a mesma clareza com que vês uma maçã cair duma árvore; vejo-me no espelho e enxergo meu futuro, meu passado e minha data de óbito estampada em minha testa, a doença que haveria de carcomer meu fígado amanhã, as lágrimas que haverias de arrancar de outrem; Taia, amigos e quem me estiver lendo: eu descobri o motivo pelo qual estou vivo; logo, calo-me e parto, e se faço isso em vosso nome, é para poupá-los de um futuro insano e amargo que, ou os levaria à morte, ou os levaria ao manicômio.

Meus pertences devem ser devolvidos aos meus pais; os meus cadernos de composição devem ser entregues ao Daniel - ele saberá o que fazer. Quero que rasguem minhas fotos e que formatem meu computador; não preciso continuar vivendo senão na vossa memória. Enterrem a Lassie perto do meu antigo quarto; digam a ela que sempre a compreendi; ela entenderá melhor que muitos de vocês. Que minhas roupas e todos os órgãos possíveis sejam doados a quem lhes convier. Minhas senhas e contas de toda a minha vida virtual e financeira estão na caderneta que guardo na segunda gaveta do bidê. Encerrem tudo que for meu o mais breve possível, pedindo a ajuda do Daniel no que for preciso. Quero ser cremado, mas por favor, não guardem minhas cinzas; joguem-nas onde acharem conveniente. Não permita que estranhos assistam à cerimônia, que por mim poderia não existir, mas entenderei seus motivos de homenagear um ser em decomposição. Evitem chorar por mim...

Não saio dessa vida por amar ou por sofrer demasiado, mas por compreender demasiado, e, portanto, feliz.
A todo mundo, a todos os meus amigos: eu vos amo, mas tenho que partir.

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Texto de Lucas di Marco Ataides, dono do Tenha Muito Cuidado.

Esquecida

Planejei me matar no sábado.

Passei o dia de ontem encarando o revólver que estava em cima do criado mudo, mas nada fiz. Até para se matar é necessário coragem, coisa que nunca tive nessa vida.

Demorarão a encontrar meu corpo, ninguém costuma me visitar. Quando minha filha vier, no Natal, levará um grande susto. Espero que, finalmente, sinta-se culpada por ter me abandonado nessa casa velha com meus quinze gatos.

Falando nos gatos, nem eles preocupam-se comigo. Se os alimento e os acaricio, eles são amigos. Se não, vão para rua e me deixam aqui. Sempre sozinha. De certo comerão meus restos, quando a comida lhes faltar.

A vida é mesmo desigual. Alguns estão aproveitando e sendo felizes, mas eu vos digo: isso acaba. Quando ficamos velhos, caímos no esquecimento. Nos meus tempos de vedete, fui amada e paparicada. Tudo volátil; após o acidente em que perdi uma perna, instantaneamente fui ignorada. “Coitada, tão jovem!”, diziam. Ou como escreveu Machado de Assis: “Por que bonita, se coxa? Por que coxa, se bonita?”

A verdade é que perdi a serventia e fiquei cada vez mais ranzinza. Quando mais ranzinza, mais esquecida. Quando mais esquecida, mais ranzinza.

Decidi pôr fim a esse ciclo sem fim.
Velha, inútil, ranzinza.
Completamente esquecida.

Finalmente.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Evidência

Maria de Lourdes, vulgo Lurdinha, 25 anos, é presa por ter matado seu marido, um milionário 50 anos mais velho. No julgamento, entrega a seguinte carta como prova:

Senhores policiais:

Escrevo esta carta para dizer que me matei. Apesar de tudo provar em contrário, apesar do meu iate, minha cobertura em Punta, minha Ferrari, minha ilha no Caribe e meu conglomerado de empresas bem sucedidas, resolvi tirar minha vida. Deixo que tudo que possuo para Lurdinha, minha doce e amável esposa, meu amor, meu docinho de coco, meu tudo. Aos meus 6 filhos, não deixo nada, aquelas pestes.

Talvez cause espanto e levante suspeitas o jeito que resolvi morrer: quando Lurdinha estiver na cozinha descascando batatas, me atirarei de costas 14 vezes contra a faca, assim tirando a minha vida a facadas; esta sempre foi minha fantasia de morte. Lurdinha não tem nada a ver com isso, ela nunca faria mal a uma mosca. Mulher doce e adorável, a ela pouca importa os muitos milhões que herdará.

Se esta carta for encontrada apenas quando minha morte estiver sendo investigada e Lurdinha (que mulher, que pernas, que rosto!) estiver sendo suspeita de minha morte, asseguro que deixei esta carta escondida, minha esposinha em nada teve culpa, e nunca forjaria nenhuma carta minha. Usar lápis ou caneta é coisa de pobre, e é este o motivo pelo qual escrevo assim, digitando, não tem nada a ver com fraudes mal elaboradas.

Desejo também que ela seja feliz com outro homem, e o mais rápido possível. Se der, quero que ela fuja com o seu personal trainer para algum lugar paradisíaco onde sejam felizes e desfrutem do dinheiro que fiz como acharem melhor. A meu ver, isso não deve fazer com que suspeitas recaiam sobre ela. Este é meu ultimo desejo antes de ME MATAR.

Lurdinha é o meu amor, reitero que ela sempre me tratou bem, me amou, cuidou de mim e apenas se interessou por mim DEPOIS de saber meu sobrenome e minhas contas bancárias na Suíça e Ilhas Caiman. Reitero que eu me matei e mais ninguém tem nada a ver com isso.

Alberto de Campos Ferreira Costa Gama III

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Agosto de 1952

Estou tentando seguir o ritual de morte à risca, mas escrever essa carta está sendo a parte mais difícil dele. Mais do que encontrar coragem para levá-lo a cabo, superar a imagem da tua reação ao chegar em casa ou reconhecer que mesmo isso pode não ser suficiente para ter um minuto da tua atenção.

Não existia pessoa que eu admirasse mais no mundo que tu quando nos casamos. Nas festas da empresa, nas reuniões de família, tu eras sempre o mais bonito, o mais distinto, posava uma elegância que nenhum homem tinha igual, e tu sabias disso. Durante muito tempo, acreditei secretamente que o nosso casamento era melhor que qualquer outro: mulher nenhuma teria sorte como a minha, e eu só poderia ser muito digna de ti para estar ao teu lado.

Cada vez mais tu te encarregaste de mostrar que eu não era. Não era elegante, não era inteligente, não fritava um ovo que fosse digno do teu estômago, não merecia mais que cinco minutos de amor antes de dormir. Minha mãe e minha consciência sempre me inclinavam a tentar mais, a ser o mínimo que tu merecesse. Mas, meu amor, estou muito cansada. O meu melhor não é o suficiente nem para ti, nem para mim, nem ninguém mais. Virei um amontado defeituoso das vontades dos outros; a única vontade exclusivamente minha que restou é a de sumir.

Tenho certeza que o teu cargo não te ocupa tanto tempo assim e que enquanto eu estou aqui, tu estás com uma vadia com ainda menos elegância e inteligência, mas mais merecedora do teu tempo. Não posso falar sobre isso com mamãe sem ouvir que sou uma mulher, não uma menina chorona e saber que não há mais espaço na casa dela para mim. Também não suportaria contar a nenhuma de nossas conhecidas sem o rosto delas me acusar de ser uma ridícula carente, ou lamentar muito e somente isso, pois têm um jantar a organizar e nada podem fazer por mim. Só posso desabafar para um pedaço de papel e mesmo ele vai se limitar a refletir minhas palavras do mesmo lugar onde está agora. Estou cercada de inúteis sem conseguir acreditar que isso não é o que eu mereço.

Já pensei em simplesmente me matar e não deixar nada para trás além de dúvidas que te assombrassem a vida toda, mas talvez eu esteja te fazendo um favor, não me tornando um fantasma da tua consciência. Fico ainda mais triste em saber que nem tendo chegado a esse ponto consigo deixar de pensar em ti, em como tu vais te sentir, em como eu posso estar totalmente errada e te fazendo sofrer. Não me resta um pingo de amor que não seja teu, nem mesmo de amor por mim mesma.

Morrer parece ser a única saída dessa prisão em que eu sempre senti estar e agora enfim me sufocou. Não é mais que a concretização de uma morte que já aconteceu. Resolvi deixar de carregar um cadáver dentro de mim para juntar-me a ele. Assim, pelo menos, vou me sentir inteira e não mais tão sozinha.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Memórias (quase) póstumas

Só para deixar claro: morro, mas morro com classe. Enquanto bebo meu melhor Whisky 12 anos, temperado com meu melhor veneno.


Agora que morri, não precisam mais se enganar com aquela velha imagem da viúva doce e coitada.

O coitada até perdurou por um tempo, mas, devo alertar: o viúva não foi coincidência.

Casei com Carlos Alberto mais por falta de opção do que por qualquer outra coisa. Estava ficando velha e a pressão para não ficar para a titia não era pouca. Ele era rico, casei.

Mas Carlos Alberto reclamava de tudo, desde a limpeza da casa até minhas cutículas mal-feitas. Tratava-me mal como se fizesse um favor só por não me deixar sozinha. Eu fazia a comida dele todos os dias. Todos os dias ele reclamava. "Teu chuchu tá sem gosto", ele repetia. Aguentei calada por muito tempo, até que não aturei mais. Um dia ele elogiou minha comida, disse que o tempero novo estava gostoso. "Tempero". Tolinho.
Ninguém desconfiou; eu era a viúva que ficou sozinha. Mas fiquei com o dinheiro. Fingindo luto, saí do país. Fiz uma lipo, pintei o cabelo e fui pro mundo.

Não estava em prantos, asseguro.

Mas o dinheiro acabou. Juntei meus últimos trocados e voltei para casa.

Não tinha mais família, não tinha mais Carlos Alberto, não tinha mais dinheiro para comprar amigos.

Estava sozinha e pobre.


Sei que, para quem tirou a vida de alguém, isso pode não ser motivo suficiente para se matar. Causei isso. Mas a questão é que encontro menos motivos para viver do que para a morte.

Vou desbravar o que tem do outro lado, talvez até cruze novamente com o Carlos. Lá embaixo, quem sabe.


Você que está lendo agora, vai achar uns trocados, o suficiente para um enterro digno, embaixo do copo em que bebi meu fim. Vai ser o último favor que lhe peço, asseguro. As coisas que ficaram, faça delas o que quiser.


Fica aqui registrado que o que mais me dói nessa carta não é minha morte, mas não ter a quem dedicá-la.


Adeus. Um brinde. O último gole.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Minha última carta suicida

Não é a primeira vez que escrevo uma carta dessas. As marcas de cortes nos meus braços, os pinos nas minhas pernas, a vergonha dos meus familiares podem confirmar o que digo. Tentei várias vezes tirar a minha vida, mas nunca consegui. Se essa carta não foi queimada como as outras, é porque, desta vez, não voltei para fazê-lo.

Entrarei para um grupo seleto de seres humanos: os suicidas. Deus misericordioso perdoa tudo e a todos, caso exista arrependimento, mas não aos suicidas. Aparentemente, Ele nos deu livre-arbítrio, mas é tão vaidoso que não gosta que alguém, além Dele, acabe com a Sua maior criação. Se o que dizem é verdade, nunca entrarei no Céu.

Sairei de um grupo seleto de seres humanos: os vivos. Se Ele não existe, a morte será o fim. Desaparecerei por entre vermes e bactérias que farão o trabalho de acabar com o meu corpo. O carbono de minhas moléculas persistirá em um mundo que fiz questão de abandonar. Se o que dizem é verdade, não existe Céu ou Inferno.

Talvez você queira saber o porquê. Por que vou acabar com a minha vida? Posso ser depressivo, posso ter sofrido uma decepção amorosa, posso só querer chamar a atenção. Mas a razão faz alguma diferença? Eu vou estar morto e você a caminho da morte, querendo ou não.

A cada instante, você e eu, caro leitor, estamos mais próximos do fim, apenas não sabemos o quanto. Só pode ser horrível “viver” assim. É agonizante que a única certeza de uma existência seja completamente inesperada. Mas não precisa ser deste modo. Eu não quero isso para mim.

Já tentei outras vezes e fracassei. Faltou coragem, mas agora entendo. Sinto-me mais poderoso, porque eu tenho um poder que você não possui. Eu escolhi morrer hoje, enquanto você apenas espera. Posso falecer antes do que quero, mas já terei feito a minha opção. Não serei medroso e impotente do mesmo modo que você é agora.

Para controlar a minha vida, adiantarei a minha morte.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

As tardes no Motel Garcês

Leilinha querida,

Quando estiveres lendo essa derradeira missiva, provavelmente estarás bastante chocada e surpresa, além de curiosa. Eu me refiro ao testamento, claro. Mas bom, não é todo dia que o marido da gente se suicida, e ver o meu corpo imerso em sangue na banheira quente foi, sem dúvida, uma visão bem forte pra ti. De qualquer forma, não é um trauma incurável: tu vais tomar os teus calmantes de sempre e tudo vai ficar bem. Então, para esclarecer as tuas dúvidas, aqui segue a explicação do porque o teu amado esposo decidiu dar um fim à própria vida. Eu vou esclarecer tudo, don´t worry, darling, mas antes vou falar sobre umas coisinhas que descobri.

Foi numa tarde fria e chuvosa de junho. Nosso casamento sempre foi movido por interesses, nós dois sabíamos disso: era interessante pra mim, já quarentão, ter uma bela morena vinte anos mais jovem como esposa, o sonho de consumo de qualquer homem, e era interessante pra ti ter como marido um empresário muito rico e muito generoso. Era a união perfeita. Mas como todo castelo de areia, um dia desabou. As tuas saídas para compras se tornaram cada vez mais freqüentes, e as minhas suspeitas se tornaram cada vez maiores. Então, junto com meu secretário, o Freitas, a minha BMW seguiu a tua Mercedes.

Confesso que me surpreendi: primeiro, paraste o carro por um instante, e o moreno alto e cabeludo entrou pela porta do passageiro. Depois, vocês entraram no Motel Garcês. “Garcês? Mas isso não é nome de Motel!”. É verdade, disse ao Freitas, mas continua sendo um Motel, e eu continuo sendo corno. Por algum motivo, nós aproveitamos a ocasião, e entramos no Garcês também. Como o banner na entrada dizia que três horas custavam 80 reais, com o canal a cabo que passa as reprises do Brasileirão incluso, nós ficamos duas, e quando chegaste em casa, eu já estava lá, te esperando para jantar.

Depois da descoberta, eu contratei um detetive particular: ele seguiu vocês durante as tardes no Garcês, e depois, quando vocês passaram a se encontrar naquele flat, eu aluguei um também no mesmo prédio, e o expediente do detetive continuava lá. E o Freitas? Ele recebeu uma proposta irrecusável em São Paulo, tive que substituí-lo pelo Sherlock dos Pampas, que é michê nas horas vagas. Mas Freitas e eu continuamos nos vendo: sempre que ele viaja para cá nós damos um jeito de marcar um encontro. No Garcês. Ele também gosta de ver as reprises do Brasileirão.

Depois do Freitas, do moreno cabeludo e do detetive, nós dois tivemos outros affaires, mas isso não importa mais. Provavelmente estupefata, deves estar te perguntando por que diabos eu me matei. Simples, honey: eu fali. Anos de gastos exorbitantes, com uma administração corrupta e tacanha, quebram qualquer empresa, por maior e mais lucrativa que ela seja. O grupo vai entrar em concordata dentro de dois dias, e todos os nossos carros, mansões e jatinhos vão a leilão. E eu já vivi bastante, não é? Nunca fiquei doente, fui rico a vida toda, não saberia viver na falência. Mas não precisa te preocupar: passado o luto, tu vais te casar com o teu amante americano dono de bacias de petróleo, e vocês irão viver felizes e milionários em Nova York. Vais ficar bem, e o preto do luto te dá uma elegância que nós dois sabemos que tu nunca tiveste.
A gente se esbarra lá em baixo, um dia desses.
Edu.

domingo, 19 de junho de 2011

Só tem gente mórbida aqui

Completando Créditos é SUUUUUUUUCESSO!

Em primeiro lugar, nós gostaríamos de dar um RT extra-Twitter e agradecer formalmente a todos os que votaram na nossa enquete, comentaram nossos posts (com comentários muito queridos!) e orgulharam a professora Vivi de Comunicação na Web mostrando que dominam mesmo as noções de Web 2.0. Mesmo quem não votou nem comentou, obrigado por ter alimentado nosso contador com 145 visitas desde a madrugada de sábado. Vocês todos têm um bloguinho que ama vocês. ♥

O tema da próxima semana é carta suicida, que esteve pau a pau com traumas de infância, mas ganhou com 43% dos votos. Em breve, nova enquete no ar. Acompanhem nossa programação, e boa semana de leituras. ;)

sábado, 18 de junho de 2011

Soraya, uma mulher de atitude

Soraya era uma jovem muito bela. Alta, loira, curvilínea e de seios fartos. Por onde passava, arrancava assovios dos homens.

Numa quinta-feira de muito calor e sol forte, ao meio dia, ela andava em uma movimentada avenida, quando passou em frente a uma obra. Como de costume, os pedreiros mexeram com Soraya:

- AEEE GOSTOSA!
- Ô delícia hein dona!
- NAAASSA SINHORA! Ê lá em casa!

Ela, muito alegre e exibida, virou-se para eles e acenou. Foi quando avistou aquele homem sem camisa, de abdômen definido e molhado de suor, que, à luz do sol, parecia ter sido cuidadosamente lustrado.

A atração era mútua. Sem delongas, Soraya, mulher de atitude, tirou da bolsa seu cartão e entregou ao pedreiro sarado, mais conhecido como Dinho. Marcaram de tomar um chopp no boteco do Adaílson, à noite, após Dinho terminar seu serviço.

Empilhado o último tijolo, ele correu pra não perder o ônibus e ir pra casa. Tomou aquele banho caprichado, um legítimo banho-de-sábado. Perfumou-se com aquela colônia especial do Avon e passou um gelzinho no cabelo. Olhou-se no espelho e falou para si mesmo: é hoje que eu como aquela gostosa!

Ela, sempre muito vaidosa, da obra foi direto ao salão da Suely, que ficava em frente a sua casa. Retocou as raízes, fez mais umas luzes. Estava loira platinada e lisa. Passou em seu apartamento, retirou da gaveta aquela lingerie de ocasiões especiais. Maquiou-se com um forte batom vermelho. “É hoje que eu tiro o atraso!”, exclamou.

Chegaram quase ao mesmo tempo no boteco. Chopp atrás de chopp, conversa vai conversa vem. Soraya, mais uma vez, sem papas na língua, foi direto ao ponto:

- Quer conhecer meu apartamento?
- Lógico!! Disse Dinho.

E lá foram eles. Entraram na casa dela já tirando as roupas, ardendo de desejo. Dinho estava empolgado, Soraya gemia. Jogou-a na cama. Arrancou sua calcinha.

- AAAAAAAAAH! MAS MAS MAS, O QUE É ISSO????
- Soraya sorriu e disse: vem neném!

Dinho saiu correndo apartamento a fora, com as calças nos joelhos.


Na obra, no dia seguinte, seus colegas perguntaram:
- Eaí cara, comeu a loira gostosa?

Ronaldo não queria falar sobre o assunto.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Valdir, o pedreiro

Uma loira passava à frente da construção. Valdir, o pedreiro, estava apaixonado. Ele parou o seu trabalho para observar a mulher que passava pela calçada. Aos seus olhos, ela era perfeita.

Ela tinha a altura ideal para que, quando os dois beijassem-se, ela ficaria na ponta dos pés, enquanto ele estaria levemente curvado a caminho de seus lábios. Ela tinha o corpo ideal para que a carregasse por entre a porta de um h/motel sem dificuldades. Ela tinha o tamanho ideal para que, em um simples abraço, conseguisse protegê-la, mesmo que por um instante, de todos os males do mundo. Valdir, o pedreiro, estava apaixonado.

Valdir tinha poucos segundos para reagir. Ela, nervosa com os comentários sutis dos outros pedreiros, caminhava com passos curtos e ligeiros. Não muito ligeiros, pois, por pior que fossem os comentários, ela gostava dos elogios. Valdir matutava. Batia na cabeça. Tinha a esperança que alguma ideia surgisse, mas nada, nenhuma ideia, nenhuma fala que a fizesse entrar na sua vida. Então Valdir, o pedreiro, sem ideias, exclamou:

— Fiu-fiu!

Não, Valdir não sabia assoviar. Ele literalmente berrou “fiu-fiu”.

Ela não mexeu um músculo. Não enrubesceu em nada as maçãs do rosto. O comentário mais genuíno da construção perdeu-se em um mar de “gostosa!”, “ô, lá em casa”, grunhidos masculinos em geral. Ela atravessou a rua, e Valdir, o pedreiro, nunca mais a veria.

Mas espere, espere leitor.

Uma morena passava à frente da construção. Valdir, o pedreiro, estava apaixonado.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Porcaria de Vestido

Leonela nunca mais usara seu vestidinho azul. Claro que já se passara 10 anos desde o seu primeiro dia dos namorados com Valdir, dia em que ele lhe presenteara o vestido “pra combinar com o teu cabelo cor de palha”; claro que havia oito anos que ambos romperam e claro que ela nunca mais o vira desde então. Mas o vestido de alguma forma virou um símbolo de sua união fracassada; vesti-lo era como revisitar aquele par de olhos esbugalhados, aquele nariz torto, o perfume adocicado, aquelas entradas no cabelo e as mãos calejadas, rudes e gentis ao mesmo tempo. E é claro, era também lembrar o fatídico ano de 2003 e tudo que Valdir lhe fizera de mal.

Mas tempos desesperados pedem medidas desesperadas. Quando as vacas já morreram de inanição, tudo pode, e o vestido era tão lindo como Valdir era feio, o decote era profundo como as entradas no cabelo dele e seu comprimento era tão pequeno quanto a auto-estima de Leonela. Uma obra recém inaugurara há uma quadra de onde ela morava.

Leonela estava com a faca e o queijo (o decote e a obra) na mão. Tinha que ser agora, última chance para o vestido e para a sua confiança.Nunca uma quadra demorara tanto pra ser caminhada, nunca o cheiro de cimento trouxera tantas expectativas, nunca um tapume guardara dentro de si tantas esperanças como dessa vez. E começou o frenesi polissilábico.

Tudo corria bem, até que no meio de um “GOSTOSA!”, um “doeu?” e um “tu come rato?”, ela escuta uma voz surpresa, rouca, muito mais baixa que as outras dizer:

- Leonela?

Lentamente ela se vira, quase não acreditando no que tinha ouvido, boca entreaberta e lábio tremendo levemente, numa reação instantânea. E lá estava Valdir, do alto de seu 1,60, de capacete amarelo, com um cigarro na mão e a enxada na outra, a mesma tatuagem idiota no antebraço, a mesma expressão de abobado de sempre. Assim como eram as mesmas de sempre as dolorosas lembranças que ele trazia. Leonela desatou a chorar e saiu em desabalada carreira.

Maldito seja o dia em que uma mulher não tenha uma obra para se amparar.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

A loira passava em frente à construção

- Gostosa! Gritou com uma sinceridade comovente um dos inúmeros pedreiros do futuro prédio. Eles recebiam mal, mas o trabalho compensava pela vista das mulheres bonitas que passavam. E eles mexiam com elas mais para ver elas voltarem do que para qualquer outra coisa.


Às vezes eles até deixavam uma passar, sem falar nada. Respeitosamente continuavam seus trabalhos apenas para ver ela virar brava pela falta de gritos e de assobios. Que audácia!, pensava ela. Depois ela voltava em frente à construção, com salto alto e minissaia; passos decisivos e olhar predestinado, fingindo que não podia pegar outro caminho.


Faz falta os galanteios, o ressoar dos andaimes e o barulho do vento movido pelo movimento rápido de pescoços masculinos. Colore qualquer dia de TPM, briga com namorado e unha quebrada.


E a loira passava em frente à construção, já planejando: por que outra rua passaria quando a obra acabasse.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Frustração

Dona Iselina virou mais um pastel na frigideira borbulhante. O óleo que chiava era o barulho cheiroso que acobertava todos os outros naquela lancheria de esquina — os talheres, a conversa, a TV, seu neto chorando no andar de cima. A filha largou mais uma vez a panela de guisado para atender ao bebê, com um suspiro cansado.

Até então, a obra do outro lado da rua não tinha incomodado, mas agora ela era uma extensão do festival de sons com que Dona Iselina lidava desde os dezesseis anos. Seu netinho convivia com isso há seis meses e estava expressamente indignado, mas ela não reclamava. A obra era o que mantinha Seu Aldair — senhor Aldair, e Aldair de Dona Iselina — ocupado, e ganhando mais do que nos últimos serviços. Era uma das poucas vezes que trabalhavam tão perto um do outro: dormiam e acordavam juntos, e a bolha de barulho que envolvia cada um diariamente, de cada lado da rua, se encarregava de juntos deixá-los.

Olhando com um sorriso pela porta transparente da lancheria, ela lavou as mãos. Seu Aldair estava a alguns passos de receber seu almoço quentinho. Com um largo pote nas mãos, Dona Iselina saiu em direção à obra, onde vários pedreiros já estavam almoçando. Passava, à sua frente, um carro vermelho; do outro lado da rua, uma moça loira, carregando pastas e livros, linda sobre seus saltos.

Enquanto esperava o sinal fechar, Dona Iselina observava os trabalhadores da obra. Com estranhamento, concentrou-se em uma figura baixinha, quase sumindo dentro das roupas, gritando qualquer coisa em direção à moça. Cutucando outros dois companheiros, gritou de novo. Assoviou. A loira apressou-se até a parada de ônibus, incomodada. Seu Aldair achava graça.

— Ô, homem!

Ele se virou assustado, e encontrou Dona Iselina muito séria, com uma mão na cintura e a outra equilibrando a singela marmita. Correndo a mão pela cabeça, espanou a roupa e foi caminhando devagar, distraído, em direção à mulher. Um caminhão passou, e separou os olhares dos dois; Dona Iselina abriu o pote e catou um pastel, enquanto o sinal fechava.

Foi quando o caminhão foi embora que Seu Aldair viu a esposa se virar e voltar para a lancheria. Ela também tinha fome.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Um beijo roubado

Ela era alta, esguia, pernas longas expostas pela minissaia colada ao corpo bronzeado. Caminhava sem pressa, sonolenta e distraída: os pedreiros da obra vizinha a seu prédio não permitiram que dormisse muito. A construção, aliás, seguia em ritmo acelerado: dali a seis meses o edifício de cinco andares estaria de pé, havia lhe dito o seu porteiro. Naquela terça-feira, ensolarada, decidira tomar o café da manhã na padaria mais perto de casa, um reduto pequeno e aconchegante com cheiro de café e doces que assassinavam a dieta que começara no dia anterior, como fazia todas as semanas. A empregada limpava seu apartamento três vezes por semana: nos outros dias, como não sabia fritar um ovo, alternava as refeições entre a padaria, o Buffet a quilo e o japonês do centro.


Após meia hora de cafés e calorias demais, rumou ainda lenta e despreocupadamente de volta para casa, a reunião marcada com tanta antecedência pelo cliente italiano fora transferida para o mês que vem, não seria uma manhã agitada. Por um sobressalto, o primeiro desde ela não sabia quanto tempo, a vida era tão previsível!, parou em frente à construção. Ele a encarava: seus olhos eram negros e penetrantes, o rosto era sério, sem aquela malicia que notara nos outros pedreiros. Ele era...diferente. Não havia feito, baixinho que fosse, uma cantada sobre o fato de ela ser mulher, loira e jovem. Era até divertida essa ausência. No lugar do gracejo (“Fiu, fiu, gostosa!”), o silêncio, a contemplação. Ele se aproximara, o portão da obra estava entreaberto. Ela achou que iria ouvir, finalmente, a derradeira cantada. Talvez ele fosse dizer qualquer outra coisa, mas parou, antes da frase sair da boca. Então ela agiu. Sem saber por que, deu um beijo nele por onde deveria ter saído que fosse um assovio. Correndo, agora rápida e apressadamente, ela se foi, deixando ele a suspirar.

domingo, 12 de junho de 2011

Apresentação para os que não sabem latim

Nenhum de nós sabemos também, mas como o afã de divulgar o blog foi maior e todo mundo viu o Lorem Ipsum abaixo, não vemos motivos por que deletá-lo.

Sem mais demoras, olá. Somos o Completando Créditos.

Você deve nos conhecer, andamos juntos, conversamos juntos, vamos ao banhISSO NÃO INTERESSA...
Estudantes de Comunicação, pelos bancos da faculdade completávamos os créditos das cadeiras que duravam menos que o planejado. Ultrapassando as barreiras do ciberespaço, o Completando Créditos se estende também para os bancos virtuais.

Seis jovens participam dessa empreitada. Cada um escreve um dia por semana sobre um tema sorteado pelos amigos internautas (aka você). Para completar os ciclos semanais, a cada sete dias um participante pra lá de especial contribui para o blog. Ainda estamos em fase experimental, mas a pressão da aula de Comunicação na Web que se aproxima se encarregará de deixar esse blog pronto rapidinho.

O tema dessa semana é cantada de pedreiro a uma loira passando em frente à construção. Desse tamanho, e com essa aleatoriedade toda.

Obrigada pela visita, e boa leitura! :D

Lorem Ipsum

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