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quinta-feira, 23 de junho de 2011

Agosto de 1952

Estou tentando seguir o ritual de morte à risca, mas escrever essa carta está sendo a parte mais difícil dele. Mais do que encontrar coragem para levá-lo a cabo, superar a imagem da tua reação ao chegar em casa ou reconhecer que mesmo isso pode não ser suficiente para ter um minuto da tua atenção.

Não existia pessoa que eu admirasse mais no mundo que tu quando nos casamos. Nas festas da empresa, nas reuniões de família, tu eras sempre o mais bonito, o mais distinto, posava uma elegância que nenhum homem tinha igual, e tu sabias disso. Durante muito tempo, acreditei secretamente que o nosso casamento era melhor que qualquer outro: mulher nenhuma teria sorte como a minha, e eu só poderia ser muito digna de ti para estar ao teu lado.

Cada vez mais tu te encarregaste de mostrar que eu não era. Não era elegante, não era inteligente, não fritava um ovo que fosse digno do teu estômago, não merecia mais que cinco minutos de amor antes de dormir. Minha mãe e minha consciência sempre me inclinavam a tentar mais, a ser o mínimo que tu merecesse. Mas, meu amor, estou muito cansada. O meu melhor não é o suficiente nem para ti, nem para mim, nem ninguém mais. Virei um amontado defeituoso das vontades dos outros; a única vontade exclusivamente minha que restou é a de sumir.

Tenho certeza que o teu cargo não te ocupa tanto tempo assim e que enquanto eu estou aqui, tu estás com uma vadia com ainda menos elegância e inteligência, mas mais merecedora do teu tempo. Não posso falar sobre isso com mamãe sem ouvir que sou uma mulher, não uma menina chorona e saber que não há mais espaço na casa dela para mim. Também não suportaria contar a nenhuma de nossas conhecidas sem o rosto delas me acusar de ser uma ridícula carente, ou lamentar muito e somente isso, pois têm um jantar a organizar e nada podem fazer por mim. Só posso desabafar para um pedaço de papel e mesmo ele vai se limitar a refletir minhas palavras do mesmo lugar onde está agora. Estou cercada de inúteis sem conseguir acreditar que isso não é o que eu mereço.

Já pensei em simplesmente me matar e não deixar nada para trás além de dúvidas que te assombrassem a vida toda, mas talvez eu esteja te fazendo um favor, não me tornando um fantasma da tua consciência. Fico ainda mais triste em saber que nem tendo chegado a esse ponto consigo deixar de pensar em ti, em como tu vais te sentir, em como eu posso estar totalmente errada e te fazendo sofrer. Não me resta um pingo de amor que não seja teu, nem mesmo de amor por mim mesma.

Morrer parece ser a única saída dessa prisão em que eu sempre senti estar e agora enfim me sufocou. Não é mais que a concretização de uma morte que já aconteceu. Resolvi deixar de carregar um cadáver dentro de mim para juntar-me a ele. Assim, pelo menos, vou me sentir inteira e não mais tão sozinha.

Um comentário:

  1. Muito bom Dona Violeta. Tenho certeza que muitas mulheres podem se identificar um pouco com a escritora dessa carta :P

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