Páginas

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Um beijo roubado

Ela era alta, esguia, pernas longas expostas pela minissaia colada ao corpo bronzeado. Caminhava sem pressa, sonolenta e distraída: os pedreiros da obra vizinha a seu prédio não permitiram que dormisse muito. A construção, aliás, seguia em ritmo acelerado: dali a seis meses o edifício de cinco andares estaria de pé, havia lhe dito o seu porteiro. Naquela terça-feira, ensolarada, decidira tomar o café da manhã na padaria mais perto de casa, um reduto pequeno e aconchegante com cheiro de café e doces que assassinavam a dieta que começara no dia anterior, como fazia todas as semanas. A empregada limpava seu apartamento três vezes por semana: nos outros dias, como não sabia fritar um ovo, alternava as refeições entre a padaria, o Buffet a quilo e o japonês do centro.


Após meia hora de cafés e calorias demais, rumou ainda lenta e despreocupadamente de volta para casa, a reunião marcada com tanta antecedência pelo cliente italiano fora transferida para o mês que vem, não seria uma manhã agitada. Por um sobressalto, o primeiro desde ela não sabia quanto tempo, a vida era tão previsível!, parou em frente à construção. Ele a encarava: seus olhos eram negros e penetrantes, o rosto era sério, sem aquela malicia que notara nos outros pedreiros. Ele era...diferente. Não havia feito, baixinho que fosse, uma cantada sobre o fato de ela ser mulher, loira e jovem. Era até divertida essa ausência. No lugar do gracejo (“Fiu, fiu, gostosa!”), o silêncio, a contemplação. Ele se aproximara, o portão da obra estava entreaberto. Ela achou que iria ouvir, finalmente, a derradeira cantada. Talvez ele fosse dizer qualquer outra coisa, mas parou, antes da frase sair da boca. Então ela agiu. Sem saber por que, deu um beijo nele por onde deveria ter saído que fosse um assovio. Correndo, agora rápida e apressadamente, ela se foi, deixando ele a suspirar.

3 comentários:

  1. Típico afair de novela - A ricaça linda que pega o motorista, empregado, verdureiro ou... o "obreiro" :P Bem vagabundinha...

    ResponderExcluir
  2. "Então ela agiu. Sem saber por que"... fez fiu fiu para ele e saiu correndo.

    ResponderExcluir
  3. Sem saber por que, deu um beijo nele por onde deveria ter saído que fosse um assovio.
    Sera que nã sabia mesmo?

    ResponderExcluir