Planejei me matar no sábado.
Passei o dia de ontem encarando o revólver que estava em cima do criado mudo, mas nada fiz. Até para se matar é necessário coragem, coisa que nunca tive nessa vida.
Demorarão a encontrar meu corpo, ninguém costuma me visitar. Quando minha filha vier, no Natal, levará um grande susto. Espero que, finalmente, sinta-se culpada por ter me abandonado nessa casa velha com meus quinze gatos.
Falando nos gatos, nem eles preocupam-se comigo. Se os alimento e os acaricio, eles são amigos. Se não, vão para rua e me deixam aqui. Sempre sozinha. De certo comerão meus restos, quando a comida lhes faltar.
A vida é mesmo desigual. Alguns estão aproveitando e sendo felizes, mas eu vos digo: isso acaba. Quando ficamos velhos, caímos no esquecimento. Nos meus tempos de vedete, fui amada e paparicada. Tudo volátil; após o acidente em que perdi uma perna, instantaneamente fui ignorada. “Coitada, tão jovem!”, diziam. Ou como escreveu Machado de Assis: “Por que bonita, se coxa? Por que coxa, se bonita?”
A verdade é que perdi a serventia e fiquei cada vez mais ranzinza. Quando mais ranzinza, mais esquecida. Quando mais esquecida, mais ranzinza.
Decidi pôr fim a esse ciclo sem fim.
Velha, inútil, ranzinza.
Completamente esquecida.
Finalmente.
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