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segunda-feira, 20 de junho de 2011

As tardes no Motel Garcês

Leilinha querida,

Quando estiveres lendo essa derradeira missiva, provavelmente estarás bastante chocada e surpresa, além de curiosa. Eu me refiro ao testamento, claro. Mas bom, não é todo dia que o marido da gente se suicida, e ver o meu corpo imerso em sangue na banheira quente foi, sem dúvida, uma visão bem forte pra ti. De qualquer forma, não é um trauma incurável: tu vais tomar os teus calmantes de sempre e tudo vai ficar bem. Então, para esclarecer as tuas dúvidas, aqui segue a explicação do porque o teu amado esposo decidiu dar um fim à própria vida. Eu vou esclarecer tudo, don´t worry, darling, mas antes vou falar sobre umas coisinhas que descobri.

Foi numa tarde fria e chuvosa de junho. Nosso casamento sempre foi movido por interesses, nós dois sabíamos disso: era interessante pra mim, já quarentão, ter uma bela morena vinte anos mais jovem como esposa, o sonho de consumo de qualquer homem, e era interessante pra ti ter como marido um empresário muito rico e muito generoso. Era a união perfeita. Mas como todo castelo de areia, um dia desabou. As tuas saídas para compras se tornaram cada vez mais freqüentes, e as minhas suspeitas se tornaram cada vez maiores. Então, junto com meu secretário, o Freitas, a minha BMW seguiu a tua Mercedes.

Confesso que me surpreendi: primeiro, paraste o carro por um instante, e o moreno alto e cabeludo entrou pela porta do passageiro. Depois, vocês entraram no Motel Garcês. “Garcês? Mas isso não é nome de Motel!”. É verdade, disse ao Freitas, mas continua sendo um Motel, e eu continuo sendo corno. Por algum motivo, nós aproveitamos a ocasião, e entramos no Garcês também. Como o banner na entrada dizia que três horas custavam 80 reais, com o canal a cabo que passa as reprises do Brasileirão incluso, nós ficamos duas, e quando chegaste em casa, eu já estava lá, te esperando para jantar.

Depois da descoberta, eu contratei um detetive particular: ele seguiu vocês durante as tardes no Garcês, e depois, quando vocês passaram a se encontrar naquele flat, eu aluguei um também no mesmo prédio, e o expediente do detetive continuava lá. E o Freitas? Ele recebeu uma proposta irrecusável em São Paulo, tive que substituí-lo pelo Sherlock dos Pampas, que é michê nas horas vagas. Mas Freitas e eu continuamos nos vendo: sempre que ele viaja para cá nós damos um jeito de marcar um encontro. No Garcês. Ele também gosta de ver as reprises do Brasileirão.

Depois do Freitas, do moreno cabeludo e do detetive, nós dois tivemos outros affaires, mas isso não importa mais. Provavelmente estupefata, deves estar te perguntando por que diabos eu me matei. Simples, honey: eu fali. Anos de gastos exorbitantes, com uma administração corrupta e tacanha, quebram qualquer empresa, por maior e mais lucrativa que ela seja. O grupo vai entrar em concordata dentro de dois dias, e todos os nossos carros, mansões e jatinhos vão a leilão. E eu já vivi bastante, não é? Nunca fiquei doente, fui rico a vida toda, não saberia viver na falência. Mas não precisa te preocupar: passado o luto, tu vais te casar com o teu amante americano dono de bacias de petróleo, e vocês irão viver felizes e milionários em Nova York. Vais ficar bem, e o preto do luto te dá uma elegância que nós dois sabemos que tu nunca tiveste.
A gente se esbarra lá em baixo, um dia desses.
Edu.

3 comentários:

  1. Elegante, direto e com um leve tom de sarcasmo. Eis um suicida de alto nível.

    Muito bom.

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  2. Tem michê, tem bafão, tem finesse e tem vingança - Amei! Hahaha!

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