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terça-feira, 14 de junho de 2011

Frustração

Dona Iselina virou mais um pastel na frigideira borbulhante. O óleo que chiava era o barulho cheiroso que acobertava todos os outros naquela lancheria de esquina — os talheres, a conversa, a TV, seu neto chorando no andar de cima. A filha largou mais uma vez a panela de guisado para atender ao bebê, com um suspiro cansado.

Até então, a obra do outro lado da rua não tinha incomodado, mas agora ela era uma extensão do festival de sons com que Dona Iselina lidava desde os dezesseis anos. Seu netinho convivia com isso há seis meses e estava expressamente indignado, mas ela não reclamava. A obra era o que mantinha Seu Aldair — senhor Aldair, e Aldair de Dona Iselina — ocupado, e ganhando mais do que nos últimos serviços. Era uma das poucas vezes que trabalhavam tão perto um do outro: dormiam e acordavam juntos, e a bolha de barulho que envolvia cada um diariamente, de cada lado da rua, se encarregava de juntos deixá-los.

Olhando com um sorriso pela porta transparente da lancheria, ela lavou as mãos. Seu Aldair estava a alguns passos de receber seu almoço quentinho. Com um largo pote nas mãos, Dona Iselina saiu em direção à obra, onde vários pedreiros já estavam almoçando. Passava, à sua frente, um carro vermelho; do outro lado da rua, uma moça loira, carregando pastas e livros, linda sobre seus saltos.

Enquanto esperava o sinal fechar, Dona Iselina observava os trabalhadores da obra. Com estranhamento, concentrou-se em uma figura baixinha, quase sumindo dentro das roupas, gritando qualquer coisa em direção à moça. Cutucando outros dois companheiros, gritou de novo. Assoviou. A loira apressou-se até a parada de ônibus, incomodada. Seu Aldair achava graça.

— Ô, homem!

Ele se virou assustado, e encontrou Dona Iselina muito séria, com uma mão na cintura e a outra equilibrando a singela marmita. Correndo a mão pela cabeça, espanou a roupa e foi caminhando devagar, distraído, em direção à mulher. Um caminhão passou, e separou os olhares dos dois; Dona Iselina abriu o pote e catou um pastel, enquanto o sinal fechava.

Foi quando o caminhão foi embora que Seu Aldair viu a esposa se virar e voltar para a lancheria. Ela também tinha fome.

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