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quarta-feira, 22 de junho de 2011

Memórias (quase) póstumas

Só para deixar claro: morro, mas morro com classe. Enquanto bebo meu melhor Whisky 12 anos, temperado com meu melhor veneno.


Agora que morri, não precisam mais se enganar com aquela velha imagem da viúva doce e coitada.

O coitada até perdurou por um tempo, mas, devo alertar: o viúva não foi coincidência.

Casei com Carlos Alberto mais por falta de opção do que por qualquer outra coisa. Estava ficando velha e a pressão para não ficar para a titia não era pouca. Ele era rico, casei.

Mas Carlos Alberto reclamava de tudo, desde a limpeza da casa até minhas cutículas mal-feitas. Tratava-me mal como se fizesse um favor só por não me deixar sozinha. Eu fazia a comida dele todos os dias. Todos os dias ele reclamava. "Teu chuchu tá sem gosto", ele repetia. Aguentei calada por muito tempo, até que não aturei mais. Um dia ele elogiou minha comida, disse que o tempero novo estava gostoso. "Tempero". Tolinho.
Ninguém desconfiou; eu era a viúva que ficou sozinha. Mas fiquei com o dinheiro. Fingindo luto, saí do país. Fiz uma lipo, pintei o cabelo e fui pro mundo.

Não estava em prantos, asseguro.

Mas o dinheiro acabou. Juntei meus últimos trocados e voltei para casa.

Não tinha mais família, não tinha mais Carlos Alberto, não tinha mais dinheiro para comprar amigos.

Estava sozinha e pobre.


Sei que, para quem tirou a vida de alguém, isso pode não ser motivo suficiente para se matar. Causei isso. Mas a questão é que encontro menos motivos para viver do que para a morte.

Vou desbravar o que tem do outro lado, talvez até cruze novamente com o Carlos. Lá embaixo, quem sabe.


Você que está lendo agora, vai achar uns trocados, o suficiente para um enterro digno, embaixo do copo em que bebi meu fim. Vai ser o último favor que lhe peço, asseguro. As coisas que ficaram, faça delas o que quiser.


Fica aqui registrado que o que mais me dói nessa carta não é minha morte, mas não ter a quem dedicá-la.


Adeus. Um brinde. O último gole.

Um comentário:

  1. Ah não! Reclamou das cutículas, merece a morte mesmo - Onde já se viu?! Isso aí colega, um brinde à você! Hehehhe!

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